24 de jul. de 2008


Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse
e despenteasse os cabelos


se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta (como um grito)
caísse da janela
fizesse barulho
morresse


se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre
tem o direito de não sofrer


se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra para doer
doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas
se ao menos esta dor sangrasse.




Manuel Bandeira