20 de abr. de 2009

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Eu tinha vinte e dois anos e sentia a natureza em todas as fibras. Aquele dia estava lindo. Um sol mansinho, como se nascesse naquele instante, cobria as flores e a relva. Eram quatro horas da tarde. Ao redor o silêncio.Voltei-me para dentro, amolecida pela calma daqueles momentos. Queria dizer-lhe:- Parece-me que essa é a primeira das horas, mas que depois dela mais nenhuma se seguirá.Mentalmente ouvi-o responder:- Isso é apenas uma tendência sentimental indefinível, misturada à literatura da moda, muito subjetivista. Daí essa confusão de sentimentos, que não tem verdadeiramente um conteúdo próprio, a não ser o seu estado psicológico, muito comum em moças solteiras de sua idade...Tentei explicar-lhe, combatê-lo... Nenhum argumento. Voltei-me desolada, olhei seu rosto triste e ficamos calados.Foi então que pensei aquela coisa terrível: "Ou eu o destruo ou ele me destruirá".Era preciso evitar a todo custo que aquela tendência analista, que terminava pela redução do mundo a míseros elementos quantitativos, me atingisse. Precisava reagir. Queria ver se o cinzento de suas palavras conseguia embaçar meus vinte e dois anos e a clara tarde de verão. Decidi-me, disposta a começar no mesmo momento a lutar. Voltei-me para ele, apoiei as mãos no parapeito da janela, entrefechei os olhos e sibilei:- Essa hora me parece a primeira das horas e também a última!!Silêncio. Lá fora, a brisa indiferente. Ele ergueu os olhos para mim, levantou a mão sonolenta e acariciou os cabelos. Depois pôs-se a riscar com a unha os desenhos em xadrez da toalha de mesa.Fechei os olhos, abandonei os braços ao longo do corpo. Meus lindos e luminosos vinte e dois anos...
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Clarice Lispector