28 de ago. de 2010

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Tenho medo de te ferir. Mas acho que precisamos “falar seriamente”. Desculpe, mas acho que sim, sem fantasia, sem comicidade. Me pergunto sempre se você não teceu em volta de mim uma porção de coisas irreais — se você não estará projetando em mim qualquer coisa como um príncipe encantado — esperando a minha volta como quem espera a salvação. Você diz que me ama. Eu digo que você não pode amar a uma pessoa com quem transou há três anos atrás, e que viu rapidamente num aeroporto, e que escreveu e recebeu cartas durante um ano. Verinha, sei lá, amor a gente transa cara a cara, corpo a corpo. Não sei se te amo. Saberei isso quando a gente se encontrar outra vez e começar a transar, e der certo ou não. 
Você fala em casar. Algum tempo atrás falei nisso talvez por romantismo, por solidão ou brincadeira, ou mesmo seriamente. Não quero casar. Casamento é uma coisa completamente estúpida — e sua explicação de comprar a aprovação das famílias não tem o menor sentido. Se você me amar e eu te amar, não precisamos da aprovação de ninguém para ficar juntos, como também não precisamos assinar nenhum papel ou aceitar qualquer espécie de jogo. Não acredito que maus fluidos, por mais fortes que sejam, consigam destruir um amor bonito, limpo. E um filho só teria problemas como fato dos pais não serem casados apenas no caso de ter sido educado muito caretamente — o que não acontecerá se um dia eu tiver um filho.
Há também uma outra coisa muito séria que você não pesou bem até agora. E sou muito franco com você: tenho um componente homossexual muito forte. Até hoje, minhas relações heterossexuais sempre foram, sei lá, meio idiotas — porque, realmente, aforavocê e uma outra garota gaúcha, M.,o corpo feminino é uma coisa que não consegue me entusiasmar. Nunca fui exclusivamente homossexual ou exclusivamente heterossexual — creio que nunca serei. Mas também me pergunto até que ponto você REALMENTE poderia aceitar isso em mim. Pense com você mesma e procure ser muito honesta na resposta. 
Verinha, estou mesmo voltando e tudo começa a ficar muito real. Não posso mentir a você, não quero, sei lá, que você entre numa errada comigo. Que você se machuque ou, como diziam minhas tias quando eu era guri, “tenha uma desilusão”. Mas a verdade é que ainda não quero me prender a nada, a nenhum lugar, a ninguém — a não ser que isso pinte com muita força, o que é impossível de acontecer por carta. Além disso, sou terrivelmente instável e entender as minhas reações é coisa que às vezes nem eu mesmo consigo. 
Não posso mentir a você, não quero. Mas por favor não fantasie, menina, não seja demasiado adolescente. Como eu te escrevi várias vezes, é no nosso encontro, cara a cara, olho a olho, que as coisas vão se definir. Veja se você consegue separar o sonho da realidade. Anel, por exemplo, é um sonho. É um sonho que trago comigo há muito tempo e que comuniquei a você — e que não é hora ainda de ser realidade, porque não tenho absolutamente nada além da minha cuca — você me entende? Minha profissão é essa coisa absurda de escritor, que não dá dinheiro nenhum, estou sempre recomeçando e recomeçando e recomeçando. É muito duro. Ontem por exemplo só tomei um café — hoje vai ser o mesmo. Eu agüento — mas um bebê, Vera?
Menina, menina, tenho uma ternura enorme por você — e para mim é muito difícil isolar essa ternura da razão, quando te escrevo. Como fiz agora. Talvez tenha te parecido duro ou demasiado frio. Mas acho, honestamente, que você não deve se arriscar a ter uma tremenda decepção, depois de um ano inteiro de sonhos. Nós vamos nos ver, nós vamos conversar, sair juntos, provavelmente nos tocar — e de repente tudo pode realmente ser. Ou não. Mas de jeito nenhum quero, sei lá, ser irresponsável ou não medir as conseqüências dum negócio que pode ser muito sério. 
(Não agüento de fome e de vontade de fumar. Volto já). 
Voltei. São 8.30, comi um sanduíche no grego, comprei cigarros no 
hindu e voltei cantando em espanhol (Perfídia). Londres é assim. 
Sabe que eu tô muito velho? Outro dia me deram 30 anos. A minha cara tá cheia de marca, ruguinhas. O meu olho caiu ainda mais e tem uma expressão de cansaço absoluto. O cabelo, que era minha maior “arma”, caiu muito, tem entradas incríveis e nenhum brilho. Rio pouco e quase não falo. Pense também nisso, tire a sua cabecinha da lua: você não vai encontrar nenhum modelo de beleza na sua frente. Europa marcou fundo, e aquele menino cheio de vida e acreditando em tudo que você conheceu em 71 ficou perdido entre pilhas de pratos e panelas sujas num restaurante sueco, no verão passado. Já não sou o mesmo, como você também não é. Endureci um pouco, desacreditei muito das coisas, sobretudo das pessoas e suas boas intenções. Dar um rolé em cima disso não vai ser nada fácil. E as marcas ficarão — tatuagens. 
Quero muito te amar e me encontrar contigo. Mas não sei se conseguiremos — e tenho medo. 
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Caio F.