16 de fev. de 2013

É que a morte - é essa a extrema ausência - implica delicadeza no olhar, o que não quer dizer fragilidade. Antes, é a coragem de assumir o próprio temor como uma antiga cicatriz pela qual já se adquiriu certa estima, apenas porque é nossa, apenas porque faz lembrar uma experiência intransferível. O amor que se viveu - e é essa a experiência intransferível -, quando morto, desaparecido do nosso olhar, do nosso tato, do nosso olfato, acomoda-se numa memória que é preciso revisitar: "O porão tem vida própria e respira/ o que jogamos fora".

Entrar nesse espaço é, talvez, a única possibilidade de sobreviver à falta, à incompletude que nos define como potenciais amantes e que nos confere o melhor do humano, ligando-nos ao que está sempre além de nós mesmos: ao outro.

Provavelmente por isso seja sempre tão difícil se desfazer dos objetos - presenças silenciosas - dos mortos que amamos (exatamente assim, com esse amor expresso no verbo ambíguo que mescla pretérito e presente)...




Fabrício Carpinejar