14 de dez. de 2008


- Moça, outro café com leite, por favor.
Um aceno com a cabeça.
- Obrigada.
Um sorriso cauteloso.
Leio mais umas páginas, é apenas terça-feira e há silencio no ambiente, passei a gostar das terças-feiras como nunca.
Paro, um tanto desconcentrado. Observo. A "moça" tem o olhar mais perdido que já avistei. Como se tivesse caído da lua. Uma inquietude legitima de quem tem aquela dor nas costas do tombo lunar. Sim, isso mesmo.
- Moça.
Nada.
- Moça, psiu.
- Sim?
- A conta.
- Claro, um minuto.
Passaram-se uns seis minutos talvez. Vi a "moça" ao telefone, vi seus olhos vermelhos e sua rapidez no gesto de secar uma lágrima inoportuna para o horário.
Em outro dia da semana, ou se não estivesse tão observador, poderia te-la feito perder o emprego. Seis minutos para somar alguns míseros digitos sao uma eternidade. Mas não.
- Aqui, sua conta.
- Que horas você sai?
- Como?
- Não me entenda mau, posso esperar ali fora?
- Eu... não sei, é que...
- Tem medo de um leitor solitário?
- Tudo bem, em meia hora.
- Ok
Paguei, saí, sentei-me do outro lado da rua. Era uma noite com muita neblina. Algumas páginas depois ela sentou-se ao meu lado.
- Você é sempre contida?
- Sempre.
- Silenciosa?
- Sempre.
- Não posso ajudar. Sou um estranho que chamou você para sentar em meio a neblina. Deve estar me achando maluco até. Só queria lher dar este livro.
- Um livro pra mim? Porque? Não entendo o que...
Faço um gesto suave para que silencie.
- Aceite. Não há mal algum.
Lágrimas, sem contenção desta vez.
- Há algo no livro - eu disse, secando delicadamente uma de suas lágrimas - que poderá me devolver dentro de duas semanas, na terça-feira, se não o quiseres.
Duas semanas depois voltei lá. Não a vi. Voltei mais algumas semanas. Não a vi. Desisti.
Era assim, que as pessoas perdiam seus corações. Os outros nunca, nunca, em momento algum da história humana, os devolviam. Porém, quantas vidas salvamos quando os damos sem arrependimento?





jc