29 de abr. de 2009
28 de abr. de 2009

"Limpa suas feridas. Limpa sua alma. Faz uma faxina nesse coração. e - preste atenção – faz isso logo, porque dá rato! (...) Eu comecei minha faxina. Tudo o que não serve mais (sentimentos, momentos, pessoas) eu coloquei dentro de uma caixa. E joguei fora. (Sem apego. Sem melancolia. Sem saudade). A ordem é desocupar lugares. Filtrar emoções. E fazer uma espécie de Feng-shui na alma."
(Fernanda Mello)
25 de abr. de 2009
Isso nunca aconteceu, mas eu fico sofrendo como se tivesse. E passo o dia levando sustos como se todos os carinhos simples, que esqueci de reparar, fossem bonecos de mola macabros que saltam do nada. Não sei o que isso quer dizer, amor. Mas você sabe. Então, aperta minha mão e me diz que eu posso deixar tudo isso pra trás sem tanta dor.
tati bernardi
23 de abr. de 2009
20 de abr. de 2009

Eu tinha vinte e dois anos e sentia a natureza em todas as fibras. Aquele dia estava lindo. Um sol mansinho, como se nascesse naquele instante, cobria as flores e a relva. Eram quatro horas da tarde. Ao redor o silêncio.Voltei-me para dentro, amolecida pela calma daqueles momentos. Queria dizer-lhe:- Parece-me que essa é a primeira das horas, mas que depois dela mais nenhuma se seguirá.Mentalmente ouvi-o responder:- Isso é apenas uma tendência sentimental indefinível, misturada à literatura da moda, muito subjetivista. Daí essa confusão de sentimentos, que não tem verdadeiramente um conteúdo próprio, a não ser o seu estado psicológico, muito comum em moças solteiras de sua idade...Tentei explicar-lhe, combatê-lo... Nenhum argumento. Voltei-me desolada, olhei seu rosto triste e ficamos calados.Foi então que pensei aquela coisa terrível: "Ou eu o destruo ou ele me destruirá".Era preciso evitar a todo custo que aquela tendência analista, que terminava pela redução do mundo a míseros elementos quantitativos, me atingisse. Precisava reagir. Queria ver se o cinzento de suas palavras conseguia embaçar meus vinte e dois anos e a clara tarde de verão. Decidi-me, disposta a começar no mesmo momento a lutar. Voltei-me para ele, apoiei as mãos no parapeito da janela, entrefechei os olhos e sibilei:- Essa hora me parece a primeira das horas e também a última!!Silêncio. Lá fora, a brisa indiferente. Ele ergueu os olhos para mim, levantou a mão sonolenta e acariciou os cabelos. Depois pôs-se a riscar com a unha os desenhos em xadrez da toalha de mesa.Fechei os olhos, abandonei os braços ao longo do corpo. Meus lindos e luminosos vinte e dois anos...
(...)
Clarice Lispector
14 de abr. de 2009

porque confessar, Senhores, pasmem, tambem mata.
e hoje eu vim aqui morrer um tantinho. mas um tantinho só.
confessar essa coisa que acabou mas que não acaba nunca. e me acaba.
e esse peso na cabeça, esse enjoo, essa tontura,
esse medo vertical que sobe e desce pelo meu corpo todo.
vertical, abismo. vertical, amor.
amor para que, Senhores, se o amor pra cada um é uma coisa.
não me venham com textos prontos pq eu tenho medo. morro de medo.
eu tenho q confessar antes d explodir, explodir em pedaços de miséria.
pq o passado é isso, é a miseria pessoal anunciada, estampada,
escancarada como o lixo do feriado que fede na calçada.
não dá p esconder. n dá p n cheirar.
e eu tenho nojo meus Senhores, um nojo imenso dessas coisas q
um dia foram boas e qndo viram monstros gigantes e pegajósos a
gnte nao tem onde esconder; pq não cabe, nao cabe em lugar nenhum
e ninguem qer reciclar.
eu vim aqui morrer um tantinho, pq tem alguma coisa
que eu qero enterrar, será que vc entende? e eu entendo?
Deus entende? diabo a quatro... blábláblá.
vá de rétro. eu qero dinamitar. vc me dói, dói, dói, dói, dor de doença.
por isso eu confesso, pq confessar tbm mata,
e prefiro morrer de qualqer coisa q seja
menos disso
que nem Deus deve ter ouvido.
jc
7 de abr. de 2009

Breve Introdução ao Estudo do Ciclo Seco
Todo mundo conhece ciclo seco, a maioria até já passou por ele. Alguns mesmo vivem desde sempre dentro dele, achando que isso é vida e eternizando o que, por ser ciclo, deveria também ser transitório. É preciso acreditar que passa, embora quando dentro dele seja difícil e quase impossível acreditar não só nisso, mas em qualquer outra coisa.
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Não que ciclo seco não tenha fé, o que acontece é que não podendo ver o que não é visível, fica limitado ao real.
Não que ciclo seco não tenha fé, o que acontece é que não podendo ver o que não é visível, fica limitado ao real.
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Antes de ir em frente, é importante dizer que ciclo seco nada tem a ver com as estações do ano. É coisa de dentro do humano, não de fora, e justamente por isso não tem nenhum método: vem quando não é esperado e vai quando não se suspeita.
Antes de ir em frente, é importante dizer que ciclo seco nada tem a ver com as estações do ano. É coisa de dentro do humano, não de fora, e justamente por isso não tem nenhum método: vem quando não é esperado e vai quando não se suspeita.
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Ciclo seco não desaba de repente sobre alguém; chega aos poucos, insidioso, lento. Quando se percebe que se instalou, geralmente é tarde demais. Já está ali. É preciso atravessá-lo como a um deserto, quando se está no meio e a água acabou. Por ser limitado ao real, o ciclo seco jamais considera a possibilidade de um oásis ou de uma caravana passando. Secamente, apenas vai em frente.
Ciclo seco não desaba de repente sobre alguém; chega aos poucos, insidioso, lento. Quando se percebe que se instalou, geralmente é tarde demais. Já está ali. É preciso atravessá-lo como a um deserto, quando se está no meio e a água acabou. Por ser limitado ao real, o ciclo seco jamais considera a possibilidade de um oásis ou de uma caravana passando. Secamente, apenas vai em frente.
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Porque o real do ciclo seco são ações, não pensamentos nem imaginações. Tanto que, visto de fora, não é visível nem identificável. Não se confunde com “depressão”, quando você deixa de fazer o que devia, ou com “euforia”, quando você faz em excesso o que não devia.
Porque o real do ciclo seco são ações, não pensamentos nem imaginações. Tanto que, visto de fora, não é visível nem identificável. Não se confunde com “depressão”, quando você deixa de fazer o que devia, ou com “euforia”, quando você faz em excesso o que não devia.
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Em ciclo seco faz-se exatamente o que se deve , desde escovar os dentes de manhã ou beber uísque à tardinha, mas sem prazer. Nem desprazer: Em ciclo seco apenas se age, sem adjetivos. À propósito, ciclo seco não se admite adjetivos – seco é apenas a maneira inexata de chamá-lo para que, dando-lhe um nome, didaticamente se possa falar nele.
Em ciclo seco faz-se exatamente o que se deve , desde escovar os dentes de manhã ou beber uísque à tardinha, mas sem prazer. Nem desprazer: Em ciclo seco apenas se age, sem adjetivos. À propósito, ciclo seco não se admite adjetivos – seco é apenas a maneira inexata de chamá-lo para que, dando-lhe um nome, didaticamente se possa falar nele.
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E deve-se falar dele? Quero supor entusiástico que sim, mas não tenho certeza se dar nome aos bois terá alguma serventia para o dono dos bois ou sequer para os próprios bois – e essa é uma reflexão típica do ciclo seco. Mas vamos dizer que sim, caso contrário paro de escrever já.
E deve-se falar dele? Quero supor entusiástico que sim, mas não tenho certeza se dar nome aos bois terá alguma serventia para o dono dos bois ou sequer para os próprios bois – e essa é uma reflexão típica do ciclo seco. Mas vamos dizer que sim, caso contrário paro de escrever já.
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E falando-se dele, diga-se ainda que ciclo seco não é bom nem mau, feio ou bonito, inteligente ou burro – nem a Alice de Woody Allen, nem Bette Davis em algum filme antigo, nem o Homem Elefante nem um dos irmãos Baldwin, nem Gertrude Stein nem Romário - , embora possa dar a impressão errada a quem o vê de fora, ávido por adjetivar.
E falando-se dele, diga-se ainda que ciclo seco não é bom nem mau, feio ou bonito, inteligente ou burro – nem a Alice de Woody Allen, nem Bette Davis em algum filme antigo, nem o Homem Elefante nem um dos irmãos Baldwin, nem Gertrude Stein nem Romário - , embora possa dar a impressão errada a quem o vê de fora, ávido por adjetivar.
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Ciclo seco, por exemplo, não se interessa por nada. Pior que não ter o que dizer, ciclo seco não tem o que ouvir, compreende? Fica na mais completa indiferença seja ao terremoto no Japão ou à demissão de Vera Fischer. No plano pessoal, tanto faz ler ou não ler um livro, ir ou não ao cinema – ciclo seco é incapaz de se distrair, de se evadir. Fica voltado para dentro o tempo todo, atento a quê é um mistério, pois que pode um ciclo seco observar de si mesmo além da própria secura, se não há sequer temporais, ventanias, chuvaradas?
Ciclo seco, por exemplo, não se interessa por nada. Pior que não ter o que dizer, ciclo seco não tem o que ouvir, compreende? Fica na mais completa indiferença seja ao terremoto no Japão ou à demissão de Vera Fischer. No plano pessoal, tanto faz ler ou não ler um livro, ir ou não ao cinema – ciclo seco é incapaz de se distrair, de se evadir. Fica voltado para dentro o tempo todo, atento a quê é um mistério, pois que pode um ciclo seco observar de si mesmo além da própria secura, se não há sequer temporais, ventanias, chuvaradas?
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Nesse sentido, ciclo seco é forte, porque nada vindo de fora o abala, e imutável, porque de dentro nada vem que o modifique. E nesse sentido também é antinatural, pois tudo se transforma e ele não, simulando o eterno em sua digamos, i-na-ba-la-bi-li-da-de.
Nesse sentido, ciclo seco é forte, porque nada vindo de fora o abala, e imutável, porque de dentro nada vem que o modifique. E nesse sentido também é antinatural, pois tudo se transforma e ele não, simulando o eterno em sua digamos, i-na-ba-la-bi-li-da-de.
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E sendo assim, com alívio vou quase concluindo, pode se deduzir que.Não, não se pode deduzir nada. Só que passa, por ser ciclo, e por ser da natureza dos ciclos passar. Até lá, recomenda-se fazer modestamente o que se tem a fazer com o máximo de disciplina e ordem, sem querer novidades.
E sendo assim, com alívio vou quase concluindo, pode se deduzir que.Não, não se pode deduzir nada. Só que passa, por ser ciclo, e por ser da natureza dos ciclos passar. Até lá, recomenda-se fazer modestamente o que se tem a fazer com o máximo de disciplina e ordem, sem querer novidades.
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Chatíssimo bem sei. Mas ciclo seco é assim mesmo.Todo mundo tem os seus, é preciso paciência. E contemplá-lo distante como se se estivesse fora dele, e fazer de conta que não está ali pra que, despeitado, vá-se logo embora e nos deixe em paz? Eu francamente não sei. Ainda mais francamente, nem sinto muito.
Chatíssimo bem sei. Mas ciclo seco é assim mesmo.Todo mundo tem os seus, é preciso paciência. E contemplá-lo distante como se se estivesse fora dele, e fazer de conta que não está ali pra que, despeitado, vá-se logo embora e nos deixe em paz? Eu francamente não sei. Ainda mais francamente, nem sinto muito.
O Estado de S. Paulo, 22/01/95
(ABREU, Caio Fernando.
Pequenas Epifanias, crônicas
(1986/1995).
Sulinas: Porto Alegre, 1996, 192 p.)
6 de abr. de 2009

"Eu, infelizmente, sou um espírito cansado e 'blasé'; pouca coisa me entusiasma... No caminho em que eu entrei, eu tenho que aprofundar ao máximo até meus defeitos, qnto mais o tempo passar, mais enfronhada eu deverei estar no que eu faço - só assim conseguirei um arremedo de perfeição. Só tenho, na verdade, interesse e esperança em certas pessoas, em conhecer certas pessoas. O mundo me parece uma coisa vasta demais e sem síntese possível."
Caio F. Abreu
5 de abr. de 2009

Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? E no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? Como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra – como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?"
Clarice Lispector
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