31 de jul. de 2007


OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo e ele
não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
[...]
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca

Versos de orgulho


O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho !
Porque Deus Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.
Porque o meu Reino fica para além ...

Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus !
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém !
O mundo ? O que é o mundo, ó meu Amor ?

__O jardim dos meus versos todo em flor
...A seara dos teus beijos, pão bendito ...
Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços ...
__São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.


Florbela Espanca

30 de jul. de 2007


O PREÇO DE SER DIFERENTE...


Quando a sociedade estabeleceu um modelo de normalidade,
criou uma guerra antropológica com a natureza humana.
A diversidade natural é real e em torno dela age a funcionalidade
da ecologia, que trabalha em favor do progresso de todos.
Cada um de nós é único, com um temperamento original relativo ás
necessidades essenciais do progresso pessoal e coletivo.

Quem resolve seguir o modelo se ilude bloqueando a expressão de sua alma,
criando insegurança, doença, desilusão e sofrimento.
Os iludidos dão mais importância ás aparências do que á verdade,
que prioriza os valores eternos do espírito.Servos do mundo sofrem o mundo.
Em razão disso, quem assume sua verdade e age de acordo com os valores da Vida,
mesmo enfrentando o preconceito e pagando O PREÇO DE SER DIFERENTE,
passa credibilidade, obtém respeito e se realiza.


Porém os escravos do preconceito estão se candidatando no futuro a
experimentar as mesmas experiências que criticaram,
a fim de aprender a conviver com as diferenças.


FRATERNIDADE é o resultado da capacidade de apreciar.



LUIZ GASPARETTO

OS MEUS VERSOS


Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento.
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasga os meus versos...Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...



Florbela Espanca

Pressuposto friamente,
o amor é uma
espécie de imposto

que veementemente as
mulheres cobram
sobre o produto consumido

talvez com o legitimo fim
de liquidar um antigo
desgosto

mas quem não há de
paga-lo satisfeito
não havendo corrupção
fixa-se um mal necessario e presumido.


jc







Incoerente amor
me dilacéra
entontéce
me espanta
de encantos
tantos

de medos
me apavóra
me faz insone

é acordado q eu sonho
planejo e almejo
q se passa cmgo?
cego?
ja não vejo

aprendendo
sobrevivo de perigo
amor incerto
e tão latente
não há saída
prossigo

Indolente
incoerente
amor insolente
petrificado na mente
mas ausente

incistente
ele me prende
me apreende
será q mente?

disfarsado de inocente
o amor me vence
que
prepotente !

tantas barreiras culturais
pretenções
convenções sociais
tanto faz
o amor se basta !
te apontam na rua
mas
amor é amor
é
onipotente.




jc











Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas

Mario Quintana
Carrego-te

Carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração
Nunca estou sem ele
Onde quer que vá, você vai comigo
E o que quer que faça
Eu faço por você

Não temo meu destino
Você é meu destino, meu doce
Eu não quero o mundo por mais belo que seja
Você é meu mundo, minha verdade.
Eis o grande segredo que ninguém sabe.
Aqui está a raiz da raiz
O broto do broto
E o céu do céu
De uma árvore chamada vida
Que cresce mais que a alma pode esperar
Ou a mente pode esconder
E esse é o prodígio
Que mantém as estrelas á distancia

Eu carrego seu coração comigo
Eu a carrego no meu coração....
foto: andreas rainer
________
O meu impossível
Minh'alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto!
E o que mais pesa É nada ser perfeito.
É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão!
Deus, que tristeza!...
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!...
Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar,
não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...
Florbela Espanca

26 de jul. de 2007

É fácil trocar palavras,
difícil é interpretar os silêncios!

É fácil caminhar lado a lado,
difícil é saber como se encontrar!

É fácil beijar o rosto,
difícil é chegar ao coração!

É fácil apertar as mãos,
difícil é reter o seu calor!

É fácil sentir o amor,
difícil é conter a sua torrente!



J. B. Megale

O Chão é a cama
Carlos Drummond de Andrade




O Chão é a cama para o amor urgente,
O amor não espera ir para a cama.
Sobre o tapete no duro piso,
a gente compõe de corpo a corpo a última trama.
E para repousar do amor, vamos para a cama!

AMOR

Todos os dias morre um amor. Quase nunca percebemos, mas todos os dias morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas piores novelas mexicanas, com direito a bate-bocas vexaminosos, capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos. Morre em uma cama de motel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de lágrima nos lábios.

Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez mais concisas, beijos que esfriam aos poucos. Morre da mais completa e letal inanição.

Todos os dias morre um amor. Às vezes com uma explosão, quase sempre com um suspiro. Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais dolorido do que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor morreu.

Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida sempre nos ensina alguma coisa. E esta é a lição: amores morrem.

Todos os dias um amor é assassinado. Com a adaga do tédio, a cicuta da indiferença, a forca do escárnio, a metralhadora da traição. A sacola de presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o silêncio insuportável depois de uma discussão: todo crime deixa evidências.

Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, como o Lee Harvey Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem se esconder debaixo da cama, ao lado do bicho papão. Outros confessam sua culpa em altos brados e fazem de pinico os ouvidos de infelizes garçons. Há aqueles que negam, veementemente, participação no crime e buscam por novas vítimas em salas de chat ou pistas de danceteria, sem dor ou remorso. Os mais periculosos aproveitam sua experiência de criminosos para escrever livros de auto-ajuda, com nomes paradoxais como "O Amor Inteligente" ou romances açucarados de banca de jornal, do tipo "A Paixão Tem Olhos Azuis", difundindo ao mundo ilusões fatais aos corações sem cicatrizes.

Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.

Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos, sexo sem tesão. Estes não querem ser sacrificados e, à semelhança dos zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos e definharão até se tornarem laranjas chupadas.

Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que recordarão até o fim de seus dias o sorriso daquela ruivinha da 4a. série ou entre fãs que até hoje suspiram em frente a um pôster do Elvis Presley. Mas titubeio em dizer que isso possa ser classificado como amor .

Existem, por fim, os AMORES-FÊNIX. Aqueles que, apesar da luta diária pela sobrevivência, dos preconceitos da sociedade, das contas a pagar, da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, da mesa-redonda no final de domingo, das calcinhas penduradas no chuveiro, das toalhas molhadas sobre a cama e das brigas que não levam a nada, ressuscitam das cinzas a cada fim de dia e perduram: teimosos, belos, cegos e intensos. Mas estes são raríssimos e há quem duvide de sua existência. Alguns os chamam de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas.
E é esse amor que eu quero viver com você!!


( Texto "Pequeno Tratado sobre a Mortalidade do Amor", autor: Alexandre Inagaki)
( Pequenas adaptações)

22 de jul. de 2007


Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

21 de jul. de 2007


AMAR


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...Além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar!Amar! E não amar ninguém!


Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem dizer que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!


Há uma primavera em cada vida:
É preciso canta-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder...pra me encontrar...


Florbela Eapanca

Saudades! Sim... Talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca

"As ruas do meu amadurecimento
são trilhas estreitas
que me rasgaram o peito."

17 de jul. de 2007


Não, não é cansaço...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.


Álvaro de Campos

16 de jul. de 2007


Igual-desigual


Eu desconfiava:todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.

Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na modasão iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondóis são iguais
e todos, todos os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.

Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho ímpar.



Carlos Drummond de Andrade

14 de jul. de 2007


Ela não é pálida nem corada
E jamais será minha completamente
Treinou suas mãos num conto de fadas
E sua boca num amor indolente.
Ela tem cabelos além da medida;
Sob o sol vem me assombrar!
Seu cordão de voz, contas coloridas
Ou passos de partida para o mar.
Ela me ama tudo o que pode e convém
De um jeito, com meu jeito, complacente.
Não foi feita para homem algum, porém,
E jamais será minha completamente.









Edna St. Vincent Millay (1892-1950)
Esposa-Bruxa, em "Renascence"..

11 de jul. de 2007


...Cada um na sua, no seu processo, vivendo o seu aprendizado, no seu momento.
Eu simplesmente assisto, não emito opiniões, não emito conceitos de valor.
Apenas observo a vida deles, que são outras pessoas, outros universos.
Ele é outro. Eu sou eu. Duas coisas completamente distintas.
E fico olhando as diferenças, apreciando, sem comparar, sem medir, sem julgar.
Como isso me faz bem. Você já fez isso?
Sem pensar que eu sou bom, ela é má, eu sou louco, ela é normal etc.
Fico só olhando. A natureza é assim, é interessante demais... até encantadora.
É quando as diferenças existem e não se chocam. Isso se chama fraternidade.
Fraternidade não significa sermos iguais em valores. Ao contrário: é a gente apreciar as diferenças.
Resultado? Paz, só paz!


Luis Gasparetto

“Temos que aceitar a nossa existência em toda a plenitude possível; tudo, inclusive o inaudito deve ficar possível dentro dela. No fundo, só essa coragem nos é exigida: a de sermos corajosos em face do estranho, do maravilhoso e do inexplicável que se nos pode defrontar. Por se terem os homens revelado covardes nesse sentido, foi a vida prejudicada imensamente.”

4 de jul. de 2007



Amor, então, também acaba? Não, que eu saiba. O que sei é que ele se torna matéria-prima Que a vida se encarrega de transformar em raiva- ou em rima. (Paulo Leminski)

2 de jul. de 2007


Que a força do medo que tenho 
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito 
Não me tape os ouvidos e a boca

Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe 
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada 
Mesmo que distante

Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que falo 
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas 
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento

Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo

Que essa minha vontade de ir embora 
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
E que essa tensão que me corrói por dentro 
Seja um dia recompensada

Porque metade de mim é o que penso
E a outra metade um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável

Que o espelho reflita em meu rosto um doce
sorriso que eu me lembro ter dado na infância

Porque metade de mim é a lembrança do que fui
E a outra metade não sei

Que não seja preciso mais que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo 
Mas a outra metade é cansaço

Que a arte nos aponte uma resposta 
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar 
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é a canção

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.



Metade - 
Oswaldo Montenegro