19 de ago. de 2012



‎'Outro dia, uma amiga se queixou ao telefone- ‘Tenho vinte e sete anos e descobri que, até agora, tenho me alimentado de migalhas'. Falei qualquer coisa banal e consoladora, como 'a vida é assim mesmo, paciência' - e desliguei. Só não desliguei a cabeça- a frase ficou dias dando voltas dentro dela. Até que, não lembro bem como, de algum lugar de dentro de mim veio a resposta que não cheguei a dar à minha amiga- 'Mas será que isso que você chama de migalhas não será, afinal, o próprio pão?'


Caio Fernando Abreu

15 de ago. de 2012

Daqui uns anos 30. E eu ainda beirando o mesmo abismo, Zézim (vou te pegar emprestado Zézim, porque eu tinha que falar isso pra alguém, então eu te achei num livro e te peguei pra mim, um pouquinho só viu...). Em toda crise é isso, toda vez que algo me deprime eu volto a essa coisa escura que grudou na minha alma e não sai mais. Aquele dia que falei pra eles que sou homossexual e eles tiveram nojo, me acharam perturbada, influenciada, acharam que ia passar, chantagearam o meu coração, Zézim; e eu deixei, ainda deixo.

Já passaram mais de meia dúzia de anos, e olha eu aqui me debatendo como um passarinho doente, sem coragem de bater pela primeira e definitiva vez as asas; me sentindo responsável por quem tranca minha gaiola, a inversão dos papéis naturais, o bichinho que precisa cuidar do seu dono. O animal culpado por ser quem ele é.

Dói tanto Zézim, passo meses engasgada olhando pela janela, sem cantar, sem sorrir, sem piar, sem me mudar daqui da pequena jaula. Com um medo cada vez maior de perder o meu amor por ser tão covarde. Sei que ela não se importa e compreende e sabe e espera e ama, mas também sei que dói.

Passei muitos meses sem escrever algo que preste, mas tem uma noite que a gente explode; pena não explodir pela boca, pelo grito; pena ficar só aqui nessas páginas, escondida como sempre. Ôh Zézim, a hipocrisia permanece até hoje, e amanhã, e não sei quando vou manda-los à merda. Talvez nunca, idiota sentimental que eu sou. Mas por dentro, Zézim, por dentro é que eu guardo o desamor, deles e meu; a falta de apoio, a mentira, a cegueira, o fingimento, os olhares que me tombam tanto. E quem me levanta Zézim? A não ser os braços dela que eu amo tanto. Nem pai, nem mãe, nem irmão, nem ninguém, só ela. Tô cada vez mais longe deles sem fazer as malas, isso não é traumático?

Mas deixando aqui no cantinho as queixas, tenho tido uma sorte imensa de ter ela comigo, mesmo com tanto esconde-esconde e tanta dificuldade. A cor dos olhos dela me mantém. O futuro eu volto pra contar depois.


jc

13 de ago. de 2012

‎''Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria uma outra forma de loucura. Necessariamente porque o dualismo existencial torna sua situação impossível, um dilema torturante. Louco porque tudo o que o homem faz em seu mundo simbólico é procurar negar e superar sua sorte grotesca. Literalmente entrega-se a um esquecimento cego através de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão distantes da realidade de sua condição que são formas de loucura — loucura assumida, loucura compartilhada, loucura disfarçada e dignificada, mas de qualquer maneira loucura.''

Ernest Becker

11 de ago. de 2012

Eu sou o intervalo entre tudo aquilo que você vive sem mim.


jc


Que importa a paisagem, a Glória, a baía
a linha do horizonte?
-O que vejo é o beco.


Manuel Bandeira

3 de ago. de 2012



Não é preciso fazer barulho pra romper os laços.







jc