30 de mar. de 2009



Um quietismo estético da vida, pelo qual consigamos que os insultos e as humilhações, que a vida e os viventes nos infligem, não cheguem a mais que a uma periferia desprezível da sensibilidade, ao recinto externo da alma consciente.

Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.






Fragmento 316.
"Livro do Desassossego".
Bernardo Soares

Amor. Amor é quando vc pode sentar no chão e espalhar seus velhos brinquedos. Amor é quando vc compreende todos os monstros do outro, mesmo que mais tarde admita não poder conviver com eles. Amor é consciencia da realidade, não é euforia vaidosa ou necessidade dolorosa. Amor é quando vc guarda a foto, mesmo partida em dois pedaços. Amor é descobrir o outro nele mesmo e não em tudo como uma dependencia. É ganhar paciencia e sabedoria, é evoluir em alto grau. Amor, amor mesmo, é paz pra dois. É sorte, daquelas batalhadas.













jc

29 de mar. de 2009

foto: marc ferrez
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'Detesto a morte. Deus, o que nos prometeis em troca de morrer? Pois o céu e o inferno, nós já o conhecemos - cada um de nós, em segredo quase de sonho, já viveu um pouco do próprio apocalipse. E a própria morte.'





C. Lispector

'E há certas dores
que só a nossa própria dor, se for aprofundada,
paradoxalmente chega a amenizar.'









CL - Aprendendo a Viver (Doar a si próprio).

'Há dias que vivo de raiva de viver.
Porque a raiva me envivece toda: nunca me senti tão alerta.'

















[CL - Aprendendo a Viver (Fartura e Carência)]

27 de mar. de 2009

foto: marc ferrez
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". . . sigo meu caminho, às vezes tô sozinho,
quase sempre tô em paz . . . "





EngHaw
foto: marc ferrez
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Porque será? me diz? porque será?
Que a gente cruza o rio atrás de água.




EngHaw
foto: marc ferrez


Livro depressivo
Na areia da praia
Eu banco o depressivo
Talvez você caia
Na minha rede um dia
Cheia de cacos de vidro

[...]










Cazuza

25 de mar. de 2009


"... farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz..."











Clarice Lispector

20 de mar. de 2009


De que vale um amor reciproco,
se nosso conceito de amor não é o mesmo.















jc

Lembre-se que hoje eu não tenho respeito por vc. Não tenho muita certeza de como isso é... Estou tentando me manter sóbrio. -Ah! Pro inferno isso! - Essas paredes, um tom muito cinza. Vejo tudo cinza e girando, depois queimando como fogo. Eu faria qualquer coisa como implorar, roubar ou morrer só para que as cores não voltassem. -Ah! Pro inferno isso! - Eu sei que eu preciso da dor, como do sangue, do ar, da chuva caindo. E de que cor é a rosa esquecida sobre o sofá? É cinza e depois pega fogo. E é cinza. Cinzas. Lembre-se que hoje estou caindo nas chamas da glória. Hoje estou girando no tornado cinza da liberdade e do desapego.













jc

19 de mar. de 2009


Meu corpo está morrendo. A cada palavra, meu corpo está morrendo. Cada palavra é um fio de cabelo a menos, um imperceptível milímetro de ruga a mais -uma mínima extensão de tempo num acúmulo cada vez mais insuportável. Esta coisa terrível de não saber a minha idade, de não poder calcular o tempo que me resta, esta coisa terrível de não haver espelhos nem lagos, das águas do mar serem agitadas e não me permitirem ver a minha imagem. Perdi todas as minhas imagens: as das fotografias, dos espelhos, dos lagos. Se meus olhos fossem câmeras cinematográficas eu não veria chuvas nem estrelas nem lua, teria que construir chuvas, inventar luas, arquitetar estrelas. Mas meus olhos são feitos de retinas, não de lentes, e neles cabem todas as chuvas estrelas lua que vejo todos os dias todas as noites.









CFA

Não saberiam definir a que espécie de quebrar interior se sujeitavam. Mas sabiam que um ser humano jamais atravessa incólume o círculo magnético de outro. Sabiam, mas sabiam também que, por condicionamento ou medo de verem periclitar a segurança fragilmente estruturada, atenuavam a carga de espanto oferecendo um cigarro ou perguntando se estava tudo bem. Fingindo-se imperturbáveis, não seriam obrigados a reinventar cada encontro ou desencontro. Por mais corajoso que fosse, por mais que se permitisse a queda, o desconhecimento, ainda assim não saberia precisar o movimento. Seria necessário um rótulo qualquer para pacificar-se. E os movimentos nunca vinham puros, em essência: era uma mansa piedade, quebrantada por um vislumbre de amor, ou um ódio com toques de desespero, ou ainda um simples dobrar-se, uma identificação de humano para humano, sem sequer um nome aproximado.









CFA


e o que vês em mim?
e em que essa visão te acrescenta ou diminui?










CFA

Então
quase odiava o que não contribuía para
o amor desesperado gritando
dentro dela.









CFA

Tinha dois olhos duros.
Dois olhos grandes de quem vê muito, e não acha nada.
Tinha secado, era certamente esse o ponto.
Nunca a palavra exata, esclarecera de início.
Já não tinha mais essas pretensões.







CFA

Vacilava entre a certeza quase absoluta de estar alcançando qualquer coisa próxima de uma sabedoria inabalável, alta como um minarete, gelada como um iceberg — melhor assim: uma montanha de compreensão sem dor de todas as coisas.







CFA

Isso, estar, ser. Uma vontade de interromper- se aqui . . .











CFA

Perdia-se, não eram teias. Nem labirintos. Fazia questão de esclarecer que sua maneira torcida não se tratava de estilo, mas uma profunda dificuldade de expressão. Por esse lado, quem sabe? As emoções e os pensamentos e as sensações e as memórias e tudo isso enfim que se contorce no mais de-dentro de uma pessoa — tinham ângulos? Havia lados mais como direi? Fragmentava-se: era os pedaços descosturados de uma colcha de retalhos. Pedia atenção aqui, por favor, mais por gestos, entonações ou simplesmente clima, e regirava: era os retalhos, um por um, não a colcha, ele. Desde o xadrez vermelho ao cetim roxo sem estampa, e assim por diante, todos. Quase parava de aborrecer-se então, como quem troca súbito uma peça para violino e cravo por um atabaque de candomblé. O leve tédio suspenso como poeira espanada logo voltava a desabar. O bocejo era a compreensão mais amarga que conseguia de si mesmo. E posto isso, cabia a seguir qualquer atitude desesperada como casar, tentar o suicídio, fazer psicoterapia ou um concurso para o Banco do Brasil.













CFA

"Ao mesmo tempo alguma coisa em mim não consegue desistir, mesmo depois de todos os fracassos. E tento, tento. Falta gosto de carne, cheiro de suor nos personagens que invento. Não desisto. Um dia, um dia, quem sabe? Pode ser que esteja no escrever a resposta de tudo o que persigo. Acreditar, só preciso acreditar um pouco mais em mim."











Caio F. Abreu

18 de mar. de 2009

foto: Paula Amaral
...
..
.
. . . Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tomei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões freqüentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.





Edgar Allan Poe

"Toda viagem destina-se a ultrapassar fronteiras, tanto dissolvendo-as como recriando-as. Ao mesmo tempo que demarca diferenças, singularidades ou alteridades, demarca semelhanças, continuidades, ressonâncias. Tanto singulariza como universaliza. Projeta no espaço e no tempo um eu nômade, reconhecendo as diversidades e tecendo as continuidades".













[Otavio Ianni]

— Eu não sei o que é decoro, com um barulho destes enquanto um deputado fala. Eu não sei o que é decoro, porque aqui parece um mercado! Nós representamos o país! Não entendo por que há tanto barulho enquanto um orador está falando. Nem na televisão, que é popular, fazem isso.











Clodovil Hernandes
(Primeiro discurso na Câmara dos Deputados, 2007)

— É claro que vou precisar de apoio,
porque sozinho a gente não consegue nem
se masturbar - tem de pensar em alguém.













Clodovil Hernandes
(Folha de São Paulo, 2006 )

"Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde és Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa,completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar."









Cecília Meireles

17 de mar. de 2009


Álvaro de Campos - Passagem das Horas



Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.


[...]

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.


A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.


Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.


Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.


Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?


Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir...
Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
Só estou bem quando ouço música, e nem então.
Jardins do século dezoito antes de 89,
Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?


Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.


Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e
a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico...
Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...


Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!


Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.


Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida...


Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.


Por isso sê para mim materna, ó noite tranqüila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência da luz,
Tu que não és uma coisa, rim lugar, uma essência, uma vida,
Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão,
Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa,
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, o noite, sobre a minha fronte...


'Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem...


Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os
modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.


Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que
esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
(No mesmo abraço comovido)
O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas
— Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.


Beijo na boca todas as prostitutas,
Beijo sobre os olhos todos os souteneurs,
A minha passividade jaz aos pés de todos os assassinos
E a minha capa à espanhola esconde a retirada a todos os ladrões.
Tudo é a razão de ser da minha vida. C
ometi todos os crimes,
Vivi dentro de todos os crimes
(Eu próprio fui, não um nem o outro no vicio,
Mas o próprio vício-pessoa praticado entre eles,
E dessas são as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).


Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.


Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.


Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte,
todos os como que esquecidos,
E todos os pederastas - absolutamente todos
(não faltou nenhum).
Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!


(Freddie, eu chamava-te Baby,
porque tu eras louro, branco e eu amava-te,
Quantas imperatrizes por reinar
e princesas destronadas tu foste para mim!)
Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver,
Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famílias felizes,
Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência incerta,
A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim,
Os seus half-holidays inesperados...
Mary, eu sou infeliz...
Freddie, eu sou infeliz...
Oh, vós todos, todos vós, casuais, demorados,
Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fósseis,
Ah, quão pouco eu fui no que sois, quão pouco, quão pouco
— Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo,
Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento,
Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus!


Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro,
E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ...
Meu coração tribunal, meu coração mercado,
Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco,
Meu coração rendez-vous de toda a humanidade,
Meu coração banco de jardim público, hospedaria,
Estalagem, calabouço número qualquer cousa
(Aqui estuvo el Manolo en vísperas de ir al patíbulo)
Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló,
Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial,
Meu coração postigo,
Meu coração encomenda,
Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega,
Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice,
Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração.


Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
Atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e os doentes,
E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.


(Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
Em cujo baixar-de-olhos há uma paisagem da Holanda,
Com as cabeças femininas coiffées de lin
E todo o esforço quotidiano de um povo pacífico e limpo...
Aquela que é o anel deixado em cima da cômoda,
E a fita entalada com o fechar da gaveta,
Fita cor-de-rosa, não gosto da cor mas da fita entalada,
Assim como não gosto da vida, mas gosto de senti-la ...


Dormir como um cão corrido no caminho, ao sol,
Definitivamente para todo o resto do Universo,
E que os carros me passem por cima.)


Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas ás emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
A cadela a uivar de noite,
O tanque da quinta a passear à roda da minha insônia,
O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
Ó fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos,
Orgia intelectual de sentir a vida!


Obter tudo por suficiência divina
— As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida
— O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.


Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.


Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.


Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Que a dor real das crianças em quem batem
(Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem
— E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
Eu, enfim, literalmente eu, E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria Porqtie não tenho raiz,
como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,


Como uma frase escrita por um doente no livro
da rapariga que encontrou no terraço,
Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
Eu, a criança no carro,
que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
Eu, a paisagem por detrás disto tudo,
a paz citadina Coada através das árvores do jardim público,
Eu, o que os espera a todos em casa,
Eu, o que eles encontram na rua,
Eu, o que eles não sabem de si próprios,
Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
O largo onde se encontram as
suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
A cicatriz do sargento mal encarado,
O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
E tem uma falha na asa
(e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)...
Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
O sacana do José que prometeu vir e não veio
E a gente tinha uma partida para lhe fazer...
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem,
e a razão por que elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de ttido isto,
E o que parece não querer dizer nada
sempre quer dizer qualquer cousa...
Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como
uma camponesa madrinha,
E uso monóculo para não parecer
igual à idéia real que faço de mim,
Que levo às vezes três horas a vestir-me
e nem por isso acho isso natural,
Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me,
Não tanto por me interromperem a gravata
como por ficar sabendo que há a vida...
Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas,
O baú das iniciais gastas,
A entonação das vozes que nunca ouviremos mais
- Deus guarda isso tudo no Mistério,
e às vezes sentimo-lo
E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo.
A Brígida prima da minha tia,
O general em que elas falavam
- general quando elas eram pequenas,
E a vida era guerra civil a todas as esquinas...
Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!
Caem as folhas secas no chão irregularmente,
Mas o fato é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
há só um caminho para a vida, que é a vida...


Esse velho insignificante,
mas que ainda conheceu os românticos,
Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.


Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavisnio,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.


Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
Acessíveis à imaginação
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.


[...]

Assisto a tudo e definitivamente.
Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim,
Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira,
Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso,
Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta
Que não seja para mim por uma galantaria deposta.
Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.


Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,
Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,
Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,
Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido
Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes.
Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,
Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,
Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.


Ho-ho-ho-ho-ho!...
Cada vez mais depressa,
cada vez mais com o espírito adiante do corpo
Adiante da própria idéia veloz do corpo projetado,
Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,
He-la-ho-ho ... Helahoho ...


[...]

Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente,
Com todos os meus sentidos em ebulição,
com todos os meus poros em fumo,
Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha
De si para si, parada a ciciar violências de velocidade louca... Ho ----


[...]

Nos meus nervos máquina marítima,
Diesel, semi-Diesel, Campbell,
Nos meus nervos instalação absoluta a vapor, a gás, a óleo e a eletricidade,
Máquina universal movida por correias de todos os momentos!


Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
Todas as auroras raiam no mesmo lugar: Infinito...
Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta,
Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore,
E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar
Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho...


Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra,
Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna,
Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente
Rola ...


Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato,
Para inencontrável,
Ali sem restrições nenhumas,
A Meta invisível
— todos os pontos onde eu não estou — e ao mesmo tempo ...


Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resolver a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ...


Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho


[...]

Clarim trêmulo, poeira parada, onde a noite cessa,
Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade ...


[...]

Toda a madrugada é uma colina que oscila,
............................................. e caminha tudo
Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras
E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge


Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens
— Sol dos vértices e nos... da minha visão estriada,
Do rodopio parado da minha retentiva seca,
Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver.


[...]

Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim
Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno,
Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua.
Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.
Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá.
Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio!
Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele!
Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te
Por todos os precipícios abaixo
E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!


[...]Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso!
A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim!


Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
Velocidade entra por todas as idéias dentro,
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
Senhor supremo da hora européia, metálico a cio.
Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!


...............................................................
...............................................................


Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói,
Dec4ina dentro de mim o sol no alto do céu.
Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar?
Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata,
Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo,
Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés,
Calcar, calcar, calcar até não sentir.
Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis,
Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou.


Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos,
Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
Cavalgada vôo, cavalgada seta,
cavalgada pensamento-relâmpago,
Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo — eu.
Helahoho-o-o-o-o-o-o-o ...


Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação ...

16 de mar. de 2009


"Te vejo perdendo-se todos os dias entre
essas coisas vivas onde
não estou.
Tenho medo de, dia após dia,
cada vez mais não estar no que você vê".













Caio F. Abreu

"Eu poderia ficar ali parado olhando a mancha de café espalhar-se lenta sobre o poema lembrando tudo que não queria lembrar. e assim parado pra sempre no meio do apartamento, enquanto vidas alheias acontecem além das janelas, fora e longe de mim, sentisse apenas mágoa, saudade e esse tipo de espanto amargo em que ninguém dá jeito. Eu poderia. Mas repeti que era tarde. que eu tinha um dia de cão, que não tinha tempo e me desculpe, você sabe, esta cidade, esta vida, esta manhã."









Caio F. Abreu

"Eu fui obrigado a conhecer o avesso do mundo. Pra sobreviver à dor de não entender o que tinha acontecido, à dor de te perder, tudo. Eu tive que nascer pra vida da cidade. Não a vida social, mas a vida da cidade e de seus cantos esquecidos. O lixo do lixo. Eu me perdia pela cidade, anônimo, e esse anonimato era um vício. Eu não ter meu nome me absolvia de tudo. Eu me embebedava do desejo cego por qualquer um... E assim, eu me iniciei na solidão coletiva dos que não têm nada a perder. Mas, talvez, eu tenha até mais que os outros a tentação de corresponder ao bem. Uma tentação tão grande e absoluta, um desejo de corresponder de forma tão total, que paradoxalmente me tornou e me torna escravo cego de minha escuridão. E quando essa escuridão me possui, eu até a confundo com uma espécie de bem aventurança."











(Fauzi Arap)

"Pois melhor do que morar aqui, é voltar para cá.
Melhor ainda do que voltar para cá,
é partir daqui e assim por diante,
numa relação que não se resolve nunca".













Caio F. Abreu

"E bateu à porta,
essa mesma que pintei inteira de amarelo para
dar uma ilusão de luz às sombras desta casa."









CFA

'A memória tem sempre essa tendência otimista de filtrar as lembranças más para deixar só o verde, o vivo. Antigamente, sempre era melhor, ainda que não fosse. Talvez porque já esteja, lá, tudo solucionado e a gente possa se ver, no tempo, como quem vê uma personagem num livro ou filme: aconteça o que acontecer, há um fim definido, predeterminado. Essa espécie de improvisação do agora, do que está sendo moldado, causa muito mais angústia. Não temos, como no samba, a menor idéia de como será o amanhã. '









Caio F. Abreu

" ...a vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões..."







Roland Barthes

14 de mar. de 2009


"Como não ter Deus?!
Com Deus existindo, tudo dá esperança:
sempre um milagre é possível, o mundo se resolve.
Mas, se não tem Deus,
há-de a gente perdidos no vai-vem,
e a vida é burra."









Guimarães Rosa

"Fiz o caminho. Sem tomar direção, sem saber do caminho. Pé por pé, pé por si. Deixei que o caminho me escolha. Na travessia, só silêncio. O nenhuns-nada. O alegre, mesmo, era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma. Nessa estrada, salvou-me a palavra. Como sabem ser duros os caminhos, pelos quais a gente vai, só pensando na volta."











Guimarães Rosa

"Vocês não sabem de nada, de nada, ouviram?!
Vocês já se esqueceram de tudo o que,
algum dia, sabiam!..."











Guimarães Rosa

"eu hoje cansei de sofrer calado...
Vem um dia em que a gente fica frouxo e arreia..."











Guimarães Rosa.

"Mas desde que ganhei meu PhD em desilusão amorosa, aos 40 anos, tenho me divertido como nunca. Ai, que maravilha, arrebentar o mito do Amor Eterno."









CFA

13 de mar. de 2009


Tarde Branca
Cazuza
.
Nessa tarde branca
Eu quero me cobrir de sonho
Branco morno
Nessa tarde em que vejo a vida da janela
E que a luz do sol não alcança meu rosto
E que dúvida se transforma em paz
E que um balanço sem ritmo
Me leva de um canto a outro da casa
Só quero no corpo um gosto simples
De se sentir acordado.

Mas eu tenho a impressão
Que todos nós somos fracassados
Eu, por exemplo: não amo...











(CazuZa)

Sono
Cazuza


Ah, grandeza difícil
Que dá na gente
Antes de dormir
Gueriguéri de sono
Pré-sonho desfeito
Em doses medidas
De tristeza

Ah, certeza estranha
De querer muito mais
E não poder dizer
Por ser segredo
Ser loucura da noite passada

Ah, barranco de pobreza
Coisa inútil
Que só faz sofrer
Mais uma besteira
Pra esquentar a cabeça
E é tudo alegre, porque é só isso!

11 de mar. de 2009


"E eu não gosto de mim. Ou gosto? Não sei. Talvez pareça não gostar justamente porque gosto muito, então exijo demais de meu corpo, e as coisas erradas que ele faz - são tantas! - me fazem detestá-lo. A gente sempre exige mais das pessoas e das coisas que quer bem, as que queremos mal ou simplesmente não queremos nos são indiferentes."











Caio F. Abreu

. . . transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura impressionantes. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor.





Caio F. Abreu
(sobre C. Lispector)

"Estou num dia em que me pesa, como uma entrada no cárcere, a monotonia de tudo. A monotonia de tudo não é, porém, senão a monotonia de mim. Cada rosto, ainda que seja o de quem vimos ontem, é outro hoje, pois que hoje não é ontem. Cada dia é o dia que é, e nunca houve outro igual no mundo.(...)
O meu desejo é fugir. Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao que amo. Desejo partir - não para as Índias impossíveis, ou para as grandes ilhas ao Sul de tudo, mas para o lugar qualquer - aldeia ou ermo - que tenha em si o não ser este lugar.Quero não ver mais estes rostos, estes hábitos e estes dias. Quero repousar, alheio, do meu fingimento orgânico. Quero sentir o sono chegar como vida, e não como repouso. Uma cabana à beira-mar, uma caverna, até, no socalco rugoso de uma serra, me pode dar isto. Infelizmente, só a minha vontade mo não pode dar. "









Fernando Pessoa

10 de mar. de 2009


"amar
o mesmo de si no outro
às vezes acorrenta,
mas quando os corpos se tocam,
as mentes conseguem voar
para bem mais longe que o horizonte"















Caio Fernando Abreu

Ficou difícil
Tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar pra ver o invisível
E depois enxergar

Que é uma pena
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
De tão pequeno
Mas vai e vem e envenena
E me condena ao rancor...











Não vale a pena
- Maria Rita

Hoje eu acordei exclusivamente para confessar a minha divina arte. Acordei para acordar o mundo ao meu redor. Levanto para gritar miserias nas caras deles. Tenho uma vontade não mais oculta de que todos vejam os cantos. Os cantinhos. A vida, meus senhores, é cheia de cantinhos. Sujos de gente comum. Sujos de mentiras-salvadoras. Sujos de disfarses-heróis. Sujos, pasmem!
Acordei hoje para revelar aos sujinhos e aos não-sujinhos-não essa arte contraditória de dar as costas para o próprio sofrimento. Que tolos, negando seu intimo dia-a-dia. Que tolos meu Deus, que tolos.
Me passa aqui essa cadeira baby, preciso subir nela para que me vejam aqui no canto. Canto do mundo, canto de mim, canto nosso.
O canto oposto deve ver-me gritar! O centro do centro deve ouvir-me tambem, ja que ver-me não podem, pois tão cegos não sabem, iludidos, extremamente mais tolos.
Talvez meia-duzia no mundo me façam coro, subam tambem em cadeiras, escancarem comigo as portas do lixo e da verdade, do lixo que é a intima verdade.











jc

'Desde o começo, sempre foi mentira.
E todos sabiam.
Pelo menos, enfrenta.
Como aquela, mentindo naturalidades com
tamanha perfeição
que até consegue dizer: sou simples. '









Caio F. Abreu

"Olhei minha cara no velho espelho riscado,
as marcas que eu nem sabia mais
se pertenciam ao vidro
ou à pele..."











Caio F. Abreu


"E eu te disse que além do que não tínhamos,
não nos restava nada. "









CFA