30 de jun. de 2012

Sinto falta daí. Me digo que na verdade sinto falta do colo, do conforto, do útero. E que devo ficar por aqui. Então tenho que ser forte, tenho que me exercitar em auto-controle. Claro que me pergunto pra-quê? - e claro que não tenho resposta. Mas vou atravessando os dias, a casa muito vazia, às vezes dói. Nos últimos dias, além de trabalhar, cozinho, faço pequenas coisas. E atravesso os dias, um pouco opaco, com breves iluminações - como há pouco, no portão, olhando o céu.
Passa um avião.

[Carta a Luciano Arabarse - Caio 3D 1980; pág 244]

28 de jun. de 2012



O que você fez daquilo que te fizeram?




[Sartre]

26 de jun. de 2012



Que amava. Liberta do entorpecimento do sono que a perseguia até então, encarava-se antipatizada consigo mesma. Que amava? Pedra no caminho, a interrogação afazia tropeçar um pouco despeitada. Não com a pedra nem com o tropeção, que pedras sempre havia e tropeções eram fatais, mas com não poder passar adiante, sacudindo a poeira do vestido e acariciando prováveis arranhões. Lavava o rosto, fazendo-se mais e mais inteligente à medida que se despia dos acessórios do sono. Resíduos nos olhos, fios de cabelo fora do lugar, gosto ruim na boca – com sabonete, água, pasta e escova de dentes ela os eliminava um a um. E em sagacidade, crescia. Cabelos erguidos num coque, quase gênio, voltava à afirmação. Que amava. Pois afirmara e não apenas, modesta, indagara. Passava a outras operações. Matinais, femininas. No corpo, aquela quase idiota sensação de sujeira que o sono deixava. Sentia-se imoral ao acordar. Incestuosa. Principalmente quando sonhava consigo mesma. Ah houvesse um jeito de dormir completamente só, sem a companhia sequer de si mesma. Não havia. Incestuosamente, então, deitava-se às dez da noite para acordar às seis da manhã. Oito horas exatinhas. Às vezes detinha-se e pensava: antilunar o meu sistema. Quando deitava, a lua ainda não tinha vindo; quando acordava, já fora embora. Carregava pesada e magoada uma lua vista apenas por dentro. Que amava a lua? Obsessiva, voltava à pedra. Talvez descobrindo que lhe entrara no sapato. Por que não jogá-la longe de vez? Que amava? Em resposta, mirava-se triunfante no espelho, boca pintada, cabelo penteado, seios empinados, e totalmente assumida em mulher. Vagamente desgostosa triunfo murchando na vistoria do corpo -aqui entre nós, dizia-se, quase indecente na intimidade consigo mesma -aqui entre nós, um tanto passado. Franzia as sobrancelhas, disfarçava a raiva espiando pela janela.
O sol ainda não viera. E sem lua nem sol ela estava sozinha no banheiro. Esta revelação a fez baquear um pouco. Meio tonta com a solidão e a brancura do momento. Trôpega, buscou apoio na extremidade da pia, que respondeu fria e asséptica ao pedido de ajuda. Olhou para a porta, e se então tivesse saído teria escapado. Mas ficou. Ferindo a si mesma e por si mesma sendo ferida. Com o pretexto de lavar as mãos, molhou os pulsos, sem admitir a tontura – que às vezes tinha esses pudores íntimos.
Recuperada, voltou à pergunta. Que amava? Com fricotes de namorada, fingia não querer responder, não querer saber -que amava? Didática, explicou-se: amar, verbo transitivo direto: quem ama, ama alguma coisa. Ou alguém, completou. Analisou-se, voltando à afirmação do início -que era uma mulher e amava: 1)Que era uma mulher; 2)Que amava: a) alguma coisa ou b) alguém. O pronome indefinido colocou-lhe um arrepio definido e melancólico na espinha. 







Caio F.

20 de jun. de 2012



Contudo – de fato e amargamente – quase amores se dão como formigas em pote de mel.




Gabito Nunes
‎"Quando a gente se vê, eu estendo a mão de forma solene, quero que ele perceba que minha cena é um grande gesto de reconciliação. Que eu não esqueci, mas que também todo aquele drama não tem mais importância. Não somos mais jovens estúpidos, agora somos adultos estúpidos. Ademais, eu ando meio desesperado por pessoas à minha volta. Tenho passado tempo demais em casa, sozinho, sem brilho, desocupado, numa pequena crise." 



Gabito Nunes

11 de jun. de 2012

Estamos afastados a quase meio ano. Mas na verdade já faz muito mais tempo e essa contagem não passa de um disfarce para amenizar o que não pode mais ser corrigido. 


Entrelinhas para todo lado e mensagens indiretas alimentam a pequena esperança de que talvez um dia nossos passos se cruzem novamente. Pouco creio. Mas não desisto.


Bem e mal se chocam na nossa história e temos enorme dificuldade de deixar tudo pra trás, exatamente por estarem tão entrelaçados estes opostos.


Memórias persistem faça sol ou faça chuva. Sinto falta de coisas simples e tudo ficou tão tortuoso. Falar de você exige uma frieza tão trabalhosa de alcançar.


Apenas aceito que tudo mudou. E que mudamos. Você, seguindo a mesma linha também permanece imóvel. É preciso escolher, mesmo que errado, mesmo que forçado.


Desejo - como deseja uma criança o presente de pacote tão colorido - te perdoar por me fazer perder algo tão valioso. E desejo - como um adulto deseja não esperar mais por presentes - me perdoar por perder você.


Procuro notícias tuas. Não sei de quase nada. E queria muito que estivesse bem, feliz, amando, sem maiores necessidades, sem grandes desesperos, sem solidão e respirando, e sorrindo bobo. E apesar de todo ciúme que me corrói antecipadamente, queria que alguém estivesse cuidando de você.


Sei que se nos reencontrarmos é provável que não se toque nesse assunto, que se finja que tudo passou e se use palavras doces outra vez. E apesar de ser mentira, sim, eu quero exatamente assim.






jc

9 de jun. de 2012



"Nenhum de de nós quer morrer. Queremos ficar, ainda que seja a marretadas, no coração do outro. Nenhum de nós quer não ser. Aliás, como seria não ser mais, já tendo sido um dia?" 




Hilda Hilst


”Sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro!”




(Clarice Lispector - do Livro: Perto do Coração Selvagem.)

6 de jun. de 2012



É como um anjo que veio me dar harmonia nesses dias meios remotos, o sorriso é tão aberto, me transmite tanta paz, é como um vento forte e gostoso no rosto da gente. (...) É, eu amo ele profundamente. 




(Caio Fernando Abreu)


A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições.

Ruy Barbosa


A felicidade é benéfica para o corpo, mas é a tristeza que desenvolve os poderes da mente.

Maurice Proust


Quem está apaixonada? Ela por ele? Eu por ela? Ou tudo não passa de um sentimento solto, sem dono, caçoando de todos nós?


Martha Medeiros


"Talvez eu e meu corpo formemos uma conspiração pelas costas de minha própria mente."







Friedrich Nietzsche


Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.





Clarice Lispector


No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta


Cecília Meireles