19 de set. de 2010

(...) E não estou certo se essas lembranças serão boas. Ou se seriam boas, lembradas hoje, você me entende? Porque o tempo passado, filtrado pela memoria e refletido no tempo presente – agora -, parece sempre melhor. E terá mesmo sido?

Apenas, quem sabe, porque não havia fadiga lá. Aquela fadiga que se insinua, persistente, entre o ruído das buzinas e das descargas abertas nos engarrafamentos de trânsito, todo dia. Ou essa, de atravessar mais uma vez qualquer avenida às seis da tarde para, de repente, olhar a multidão também fatigada e preguntar: mas que cidade, afinal, é esta. E que vida? A quase amável, paciente fadiga de contemplar o grande relógio das repartições e escritorios, quase imóvel na sua lentidão, a partir das cinco e a caminho das seis da tarde. Para nos despejar, novamente, nas ruas entupidas de fumaça e desejos bandidos nas esquinas, dentro de carros apertados entre outros carros ou de ônibus apinhados – até o interior dos apartamentos, com seus fantasmas emboscados, uns mortos, outros vivos. E então o acúmulo de contas atrasadas, telefonemas ansiosos, telenovelas chatas, quem sabe algum plano, certas fantasias. Outra cidade, outro país, outro planeta, outra vida que não esta – uma memória de flores no cabelo e pés descalços, pouco antes do ruído do despertador e o do meu/teu/dele/nosso coração serem os únicos audíveis dentro da escuridão onde afundamos na lama de nossos sonhos mortos. (...)





Caio F.